Para
responder afirmativamente, é necessário atribuir à palavra "egoísmo"
o sentido de "interesse do ego".
Se adotado o significado dicionarizado (Houaiss), encontramos:
1 amor exagerado aos
próprios interesses a despeito dos de outrem
2 exclusivismo que leva
uma pessoa a se tomar como referência a tudo; orgulho, presunção
3 Rubrica: ética.
no kantismo, submissão do dever ao interesse particular,
em detrimento da obediência à lei moral
4 Rubrica: ética.
no nietzchianismo, sentimento restrito a homem nobre e
incomum, capaz de compreender o mundo do ponto de vista exclusivo de seu
próprio interesse
5 Rubrica: psicologia.
atitude ética ou social que parte do princípio de que o fundamento
de todo pensamento ou ação é a defesa dos próprios interesses
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Nos sentidos 1, 2 e 3,
fica evidente que o egoísmo não pode ser a única motivação, por incluir a
desconsideração pelo outro, atitude oposta a todos os comportamentos praticados
em benefício do outro.
Restam
os sentidos 4 e 5, que enfatizam o interesse do ego, expressos nessas definições como "próprio
interesse".
Trata-se,
evidentemente de uma verdade parcial que exclui uma dimensão essencial da
realidade. Verdade parcial, porque o interesse do sujeito sempre está presente
no ato livre. Mesmo o herói que morre para salvar um desconhecido, sabendo que
seu ato o expõe à morte, só o faz porque tem "maior interesse" em
fazer o salvamento do que em proteger a própria vida. O que falta dizer neste
exemplo? É que esse "interesse próprio" – salvar o outro – leva em
conta o outro, valoriza o outro, não faz predominar nenhum interesse
exclusivamente próprio sobre a necessidade do outro.
Invoquemos
dois outros exemplos que cabem na categoria "interesse próprio", mas
que diferem entre si tanto quanto a luz difere da escuridão. Um cientista, em
seu laboratório, trabalha apaixonadamente e descobre a cura do câncer. Ele
adora o que faz e ainda ganhará muito dinheiro com sua descoberta. Faz isto
"no próprio interesse". Pensemos agora em outra pessoa que também
adora o que faz e ganha muito dinheiro: o chefe de uma grande rede de
narcotráfico. Se igualarmos o cientista e o narcotraficante a pretexto de que
os dois agem no próprio interesse, perderemos um aspecto essencial dos dois
comportamentos. Enquanto o cientista, ao atender ao próprio interesse, salva
incontável número de vidas, tanto no presente como no futuro, o narcotraficante
atende a seu interesse próprio às custas de assassinatos, vidas enredadas na
dependência química, violência familiar e toda a gama de comportamentos que
atentam contra a convivência social.
Atender
ao próprio interesse em harmonia com o bem-estar do outro e atender ao próprio
interesse em detrimento do outro são motivações tão distintas que não cabem no
mesmo rótulo. A menos que haja outro interesse em apagar essa distinção!
A neurociência tem algo a dizer a respeito
desse assunto. Os neurônios-espelho, estruturalmente iguais aos outros,
caracterizam-se pela função de comandar respostas corporais, ao observar alguma
cena envolvendo outra pessoa, análogas às que o sujeito teria se estivesse no
lugar da pessoa observada. Se o outro se encontra numa situação dolorosa, o
corpo do observador responde com a prontidão de seus músculos, talvez com o
próprio batimento cardíaco, de um modo muito parecido com as reações que teria
se aquela dor atingisse diretamente seu corpo, porém essa resposta teria um
grau atenuado em relação à provável resposta da pessoa diretamente envolvida.
Reações alheias de nojo, tristeza, entusiasmo, humor, etc. são reproduzidas no
sujeito por seus neurônios‑espelho. Esse processo nos ajuda a compreender
o sentimento dos outros. Ou seja, os neurônios-espelho fornecem a base corporal
para o sentimento de empatia.
A
solidariedade com o semelhante, propiciada pela empatia, atende tanto ao nosso
interesse como ao interesse do outro. Todo o comportamento cooperativo é
facilitado pela empatia e, mesmo que traga embutido o interesse do próprio ego, não se confunde com o
comportamento que desconsidera as consequências que terá sobre as outras
pessoas. Marcando bem o contraste, teríamos, por um lado, uma pessoa
fortemente empática, devotada ao alívio da dor alheia; e, no lado oposto, o
psicopata ou sociopata, aquele que não se importa minimamente com os
sentimentos e as dores dos outros. Mesmo que os dois tenham em comum o fato de
atenderem ao próprio interesse, diferem diametralmente entre si, pois o
interesse egoico de um deles alia-se
ao cuidado com o semelhante, enquanto que o ego do psicopata ou sociopata exclui o outro, mostra-se
insensível diante da necessidade ou da dor alheia.
Dizer
que não existe altruísmo, na premissa de que basta existir interesse próprio
para excluir o altruísmo, redunda em tautologia, um erro lógico que consiste em
partir de uma premissa e utilizá-la como prova da conclusão... que se confunde
com a premissa. É claro que o altruísta tem seus próprios motivos para ser
altruísta. Isso não o torna igual ao psicopata. Enquanto que psicologia
reconhece a primeira atitude como saudável, percebe a atitude do sujeito a quem
falta por completo a empatia como sendo nitidamente patológica.
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